Vivemos num país recheado de crises: social, política, econômica, aérea etc. Um país com profundas desigualdades, enormes segregações, muito preconceito (e um preconceito horroroso, pois ninguém o admite), muito ladrão de terno e gravata, muito esquema, muitas máfias, mas nem por isso deixamos de adorar este país, que coisa louca, não? Hoje não apresento só uma música e sim um disco... disco lindo assim como o Brasil, um artista de muita sensibilidade e muito bom gosto! Quando conheci "O Marco do Meio-dia", não consegui parar de tocá-lo no meu iTunes! Muito bom mesmo... a obra me remetia a outros grandes artistas como o Ariano Suassuna (que depois descobri que de fato participou do disco) , Gilberto Freyre (sim, considero Casa-Grande & Senzala uma obra de arte, nunca vi um acadêmico descrever o país de forma tão linda e poética!) e muitos outros.
Por tudo isso, hoje postarei duas músicas do disco e no final colocarei um trecho da apresentação que o Antonio Nóbrega faz do disco com o link do site do cara. Antonio Nóbrega, valeu por esse discaço, por toda a tua sensibilidade e por esta linda homenagem a nós, brasileiros.
Viagem Maravilhosa
(Antonio Nobrega)
Nosso brasil,
Acompanhe a minha idéia,
Foi atlantida e pangéia,
Um sertão que já foi mar.
Já foi rodínia,
Foi panótia e gonduana,
Era belo e bacana
Antes de cabral chegar.
Também foi ilha
Do brasil, de são brandão,
Vera cruz, nome cristão
Trazido do além-mar.
Foi pindorama,
Foi terra de santa cruz,
Papagalis, meu jesus,
Depois de cabral chegar.
Este país
Te tesouros, tem arcanos,
Tem mais de trinta mil anos
De histórias pra contar.
São trinta mil
Em que o índio te vez,
Quinhentos que o português
E o negro chegaram cá.
Aí, um dia,
Eu senteda na cadeira,
Um estalo-de vieira
Clareou a minha mente.
Eu percebi
Que tinha de procurar
Descobrir e encarar
Minha terra e minha gente.
E sem demora
Minha burra eu selei,
Pus um cabresto e montei,
Pus espelho e um radar.
Pus uma bússola,
Astrolábio e luneta,
Diário, mapa e caneta,
E falei: ´vou viajar´.
E mesmo antes
Do sol, do cantar do galo,
Do sino bater badalo,
Eu saí pelo caminho...
Os cascos dela
Velozaes matraqueavam,
Pareciam que estavam
Tocando ´brasileirinho´.
Cavalgar, cavalgar
Eu cavalguei.
No páis dos brasileiros
Conheci o mundo inteiro
E por ele eu passeei.
No meu galope,
Mais ligeiro que um corisco,
Eu cruzei o são francisco,
Mergulhei no iguaçu.
Fui despertar
No sol da zona da mata,
Vestido de ouro e prata,
Dançando maracatu.
Passei por todas
As ladeiras de olinda,
E muita morena linda
Ainda se lembra de mim...
Cantei seresta,
Tirei verso na ciranda,
Toquei tuba em uma banda,
Na outra toquei flautim.
No meu caminho
Enchi o brasil de pernas,
Até chegar nas cavernas
Da gruta de maquiné.
Voltei de lá
Com um papiro na mão,
Trazendo a decifração
Dos segredos de sumé.
Eu vi xamãs
Dominando tempestades,
Cavando sete cidades,
Separando marajó...
Vi o profeta
Puxando com sua cruz
Cada órfão de jesus
Que cruzou cocorobó.
Cavalgar, cavalgar
Eu cavalguei.
No páis dos brasileiros
Conheci o mundo inteiro
E por ele eu passeei.
Fiz um almoço
Lá no ´buraco da jia´,
Começou ao meio-dia
Terminou pela manhã:
Cuscuz com fava,
Bode assado, dobradinha,
Macaxeira com farinha,
Codorniz e ribaça.
Bolo de milho,
Marisco no vinagrete,
Feijoada com croquete,
Quitute e baião-de-dois.
Comi de tudo
Sem pressa, sem me cansar,
Só para me preparar
Para o que vinha depois...
Arroz-de-polvo,
Risoto de camarão,
Maionese e macarrão,
Salpicão, frutos do mar,
Feijão-macassa,
Galinha de cabidela
E um bife de panela
Bem leve, pra descansar.
Um ensopado
De carne com batatinha
Feijão-verda e farofinha,
Sanduiche de peru.
Pra terminar
Um conhaque, um cafezinho,
Mais um cálice de vinho
E três de pitu.
Cavalgar, cavalgar
Eu cavalguei.
No páis dos brasileiros
Conheci o mundo inteiro
E por ele eu passeei.
Porém um dia
Eu cruzei em meu caminho
Com um cavalo-marinho
Que era gêmeo com o meu.
Puxei a rédea
Fiquei olhando pra ele,
Ele achou que eu era ele,
Eu achei que ele era eu.
Nesse momento
Mais um galope se ouviu,
Outro cavalo surgiu
Passando perto da gente.
Uma figura
Semelhante e parecida,
Mas como tudo na vida
Tinha algo diferente.
E mais dois outros
Chegaram no mesmo instante,
E logo mais adiante
Outro ainda apareceu.
Eu que pensava
Que era único no mundo
Encontrei num só segundo
Muitos outros como eu.
Saí puxando
A cavalhada marinha,
Parecia idéia minha,
Parecia carnaval.
Fomos dançando
Na ponte do arco-íris,
E quando eu rodei o pires
Apurei quase um real.
Eu virei noite
Galopando esse país,
De metrópoles febris
E esquecida imensidão.
Vi a coragem
De quem enfrentou a morte,
Vi um vento lá do norte,
Vi a vela em minha mão.
Vi uma luz
Branca, azul, aparecida,
E uma mulher parecida
Com aquela lá do céu.
Vi tantas luzes
Que lembrá-las é revê-las,
Tantas luas e estrelas
Entre as rendas do seu véu.
E da mão dela
Uma luz se projetava,
E essa luz me apontava
Uma tróia no sertão.
Uma muralha
Dentro dela uma cidade,
Fora dela a crueldade,
A morte e a escravidão
Era o quilombo
Lá na serra dos palmares,
Erguendo alto nos ares
A bandeira de zumbi.
Saltei da burra,
Devagar fui caminhando,
Me cheguei, fui escutando
O que acontecia ali.
Mestiçagem
(Antonio Nóbrega)
Uma negra com um branco
Vi casar na camarinha,
Um branco com uma índia
Vi casar lá na matinha,
Um negro com uma índia
Vi casar na capelinha.
Um negro com uma negra
Vi casar atrás do muro,
Um branco com uma branca
Vi casar lá no escuro,
Um índio com uma índia
Casaram em porto seguro.
Eu vi nascer um mulato
Do casal da camarinha,
Vi nascer um memeluco
Do casal lá da matinha,
Eu vi nascer um cafuso
Do casal da capelinha.
Eu vi nascer um crioulo
Do casal de atrás do muro,
Eu vi nascer um mazombo
Do casal lá do escuro,
Eu vi nascer outro índio
Do casal porto seguro.
Uma mulata moleca
Vi casar com um japonês,
Uma catita cafuza
Com um sírio-libanês,
Crioulo com alemoa
Vejo casar todo mês.
Me casei com uma mestiça
Eu mestiço por inteiro,
Tivemos muitos mestiços
Cada vez mais verdadeiros,
Cada vez mais misturados,
Cada vez mais brasileiros.
......................................
"Como se vê, portanto - e mais do que nas outras vezes -,
este CD não é só meu. Pertence a toda a tropa
de artistas que emprestaram colaboração criadora e
dedicação em sua feitura, assim como, sobretudo,
ao povo brasileiro, a quem o CD e o
espetáculo celebram e homenageiam, nas comemorações
não só dos 500 anos, mas dos 600, dos 7000...,
dos seus 1000 e muitos mais anos de existência."
ANTONIO NÓBREGA
www.antonionobrega.com.br
sexta-feira, 24 de agosto de 2007
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